Fico sempre muito alegre quando recebo cartas tuas. Elas enchem-me de esperança e mais do que promessas já me trazem certezas a teu respeito. Continua assim, é o que te peço com toda a insistência! E que coisa melhor eu poderia pedir para um amigo senão aquilo que lhe peço para seu próprio benefício? Se isto te for possível vai-te subtraindo a essas tuas ocupações; se não, corta com elas de vez! Já perdemos tempo demasiado; comecemos, atingida a velhice, a preparar a nossa bagagem! Em que pode isso atrair-nos a hostilidade? Vivemos no meio das vagas, morramos ao menos no porto. Eu não te aconselharia a fazeres um título de glória do teu ócio 1: não deverás vangloriar-se dele, nem igualmente mantê-lo oculto. Por isso também te não obrigo, à força de condenar as loucuras da humanidade, a desejar que vivas na mais total obscuridade. Faz de modo a que o teu ócio, sem atrair as atenções, não passe totalmente despercebido. Deixa que os outros, aqueles que ainda não tomaram uma decisão a esse respeito, determinem se desejam passar ou não a sua vida na obscuridade. Tu já não tens essa liberdade: a força do teu talento, a elegância dos teus escritos, as tuas relações de amizade com a melhor nobreza colocaram-te sob o olhar do público. És uma personalidade conhecida. Ainda que te retirasses e te escondesses no mais remoto lugarejo, o teu passado impor-te-ia à notoriedade! Não poderás viver no meio das trevas: muito do teu esplendor antigo te seguirá para onde quer que fujas! Poderás, contudo, reivindicar uma vida retirada sem concitares o ódio de ninguém e sem que a tua alma sinta saudades ou remorsos. Afinal, o que abandonarás tu de que possas lembrar-te com desgosto?Os clientes? Nenhum te procurava a ti mas a algo que tu possuías! Os clientes de outro tempo buscavam a amizade, hoje só buscam o proveito! Basta que o velho patrono, sentindo-se iludido, altere o testamento, e a saudação matinal irá ser feita a outra porta. Uma coisa valiosa não pode comprar-se por pouco: considera, portanto, se preferes desistir de ti mesmo ou apenas de parte do que tu eras! Era bom que pudesses envelhecer dentro dos limites modestos do teu nascimento, era bom que a fortuna não te tivesse levado a tal ponto! Uma rápida e bem sucedida carreira apartou-te para longe das perspectiva de uma vida salutar: uma província a administrar, um cargo de procurador, as novas missões que logicamente seriam de esperar! Cargos ainda mais importantes estarão à tua espera, e depois outros ainda. Até quando? Porquê esperar até não haver mais postos que desejes ocupar? Tal momento nunca chegará! Segundo a nossa escola, o destino tece-se a partir dum nexo infindo de causas; idêntico é o nexo das ambições: cada uma gere sempre mais outra! Estás metido numa vida que, por si mesmo, nunca porá um termo à miséria da tua servidão. Retira de sob o jugo o teu pescoço magoado: é preferível que to cortem de uma vez a que to sobrecarreguem sempre! Se te retirares para a vida privada, terás tudo em escala reduzida, mas o que tiveres chegará para te cumular; presentemente, todos os bens e honras que se acumulares sobre ti não bastam para te saciar. O que preferes tu: uma indigência que te sacia ou uma abundância que te deixa esfomeado? O sucesso é, não só ambicioso, como também exposto às ambições alheias, enquanto nada for bastante para ti, também tu não bastarás para satisfazer os outros! Perguntar-me-ás qual o modo de siares dessa vida ?! Seja de que modo for! Pensa nos perigos em que incorreste por dinheiro, nos esforços que te custaram os teus cargos!… Para obteres o teu ócio também tens de arriscar-te, a menos que prefiras envelhecer entre as ansiedades das procuradorias primeiro, dos cargos urbanos em seguida, no meio da agitação e das sucessivas tempestades de problemas que, embora levando uma vida severa e tranquila, nunca conseguirás evitar! Que importam, de fato, as tuas pretensões a uma vida tranquila se o teu próprio sucesso ta não permite? E o que te sucederá se consentires que esse sucesso ainda aumente mais? Quanto mais aumentar o teu êxito, mais aumentarão os teus receios! Gostaria de citar-te aqui uma frase de Mecenas, uma verdade que ele disse no auge do seu prestígio:
é a própria altitude que fulmina os cumes!
Para o caso de me perguntares em que livro escreveu estas palavras, digo-te já: foi no Prometeu. Ele pretendia dizer “que faz os cumes serem fulminados”. Pois bem, haveria algum poder neste mundo que te tornasse capaz de usar tão tola linguagem? Mecenas foi um homem de talento, que poderia ter sido um notável expoente de eloquência romana se o seu próprio sucesso não tivesse feito dele um homem sem vigor, um cadastrado! Aqui tens o que te espera se não começares desde já a colher as velas e a aproximar-te da costa! Mecenas só o fez tarde demais…
Eu bem podia dar por saldada a minha conta com esta citação de Mecenas, mas, se bem te conheço, tu irias descompor-me: só aceitas que te pague em moeda nova e bem cunhada! Sendo assim, há que pagar a dívida com um dito de Epicuro. Aqui vai: “Pensa primeiro em que companhia de quem comes e bebes, e não naquilo que vais comer e beber; refeição sem amigos, é vida de leão ou de lobo!”. Esta situação só será a tua se te retirares da vida pública; se o não fizeres, terás muito companheiros de mesa, cujos nomes o escravo escolherá da lista dos clientes que te vão saudar; é um erro, porém, procurar os amigos no átrio e pô-los à prova na sala dos banquetes! Pior mal não sucede ao homem público e obcecado pelos seus negócios do que tomar como amigos aqueles que o não olham como amigo! Um tal homem pensa que as suas prodigalidades conseguem granjear-lhe simpatias, quando, na realidade, os outros quanto mais lhe devem, ais o odeia: quem pouco deve é devedor, quem deve muito é inimigo! “Pois quê? Então os nossos benefícios não nos conquistam amizades?” Conquistam, sim, mas quando há possibilidade de escolher os beneficiários, quando os benefícios são bem aplicados, e não espalhados ao acaso. Por conseguinte, enquanto ainda estás começando a ser dono de ti mesmo, obedece a este conselho dos sábios: considera que nesta matéria é muito mais importante a pessoa do beneficiário do que o montante do benefício!
1- “ócio” em sentido romano significa o abandono de ocupações públicas e vida política. Não se relaciona, neste caso, com “ociosidade”.
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